quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Outra vez?


Em Maio de 2006 o Professor António Borges esteve na Madeira por ocasião do dia do Empresário, organização da ACIF. NA altura escrevi a este distinto economista o que achava da sua opinião sobre a economia da Madeira. Ontem voltou à Madeira, desta vez a convite do DN MAdeira, para dizer mais ou menos a mesma coisa. Por isso parece-me relevante divulgar o conteúdo da carta que enviei o ano passado porque está cada vez mais actualizada.

Exmo. Senhor Professor António Borges,

O meu nome é Carlos João Pereira e sou economista. Dirijo-me a V. Exa. pela enorme consideração que tenho pelo seu percurso académico e profissional e por aquilo que V. Exa. representa para os economistas do país e da própria Região Autónoma da Madeira - RAM. Por estas razões, não posso deixar de lhe transmitir a minha opinião sobre as suas considerações, a respeito do eventual desenvolvimento/crescimento da economia da Madeira e, sobretudo, segundo V. Exa., da sua sustentabilidade. Estas declarações foram proferidas recentemente numa conferência organizada pela Associação Comercial e Industrial do Funchal, por ocasião de uma homenagem ao empresário madeirense, e foram reproduzidas no Diário de Notícias da Madeira.
Naturalmente que jamais me passaria pela cabeça que V. Exa., uma individualidade incontornável no campo da economia e da gestão do país, afirme, convictamente, matérias não suportadas em pressupostos concretos e factuais. Ou seja, não parece sequer admissível que V. Exa., pela sua dimensão internacional, sujeita á necessidade permanente, e inultrapassável, de sustentar as suas decisões e opiniões, tenha agido de forma diferente na análise da situação da economia da Madeira. Também não me parece normal, tendo presente a sua postura e comportamento público, que V. Exa. tenha apresentado a opinião citada por razões de mera “boa educação”. A simpatia de V. Exa., neste contexto, é, na minha modesta opinião, incompatível com a imagem de rigor e credibilidade que V. Exa. tem e, sublinho, merece, no meio académico e empresarial. Sendo assim, estou disponível para acreditar que V. Exa. estava mal informado e, por razões que ainda estão por esclarecer, resolveu opinar sobre o que não estava em condições de o fazer. Caso contrário, e admitindo a minha total distracção e incompetência na análise desta questão, serve esta carta para solicitar uma explicação sustentada da sua posição e para propôr-lhe um convite para explicar, aos madeirenses e aos portugueses em geral, a convicção das suas opiniões. Antes disso, contudo, não posso deixar de lhe apresentar alguns dados que podem apoiar a minha total suspeita relativamente á opinião de V. Exa. sobre a sustentabilidade do modelo económico da Região Autónoma da Madeira.
Sendo assim, gostaria de o informar do seguinte:
No quadro do crescimento do PIB, a Região, em 2004, apresentou um PIB na ordem dos 90% da média europeia. No entanto, como penso ser do conhecimento de V. Exa., esse resultado inclui um contributo na ordem dos 21% do Centro Internacional de Negócios da Madeira – CINM, conforme estudo do INE sobre “O contributo do CINM para o PIB da RAM”. Obviamente que a conclusão mais óbvia seria a de relevar o contributo do CINM para o crescimento do produto, como aliás V. Exa. acabou por fazer na conferência do Funchal. Contudo, na sequência de um estudo do Professor Augusto Mateus, todos sabemos que esse contributo efectivo para a Região não ultrapassa os 8%, pelo que a situação real do indicador de crescimento, deve ser convenientemente analisada quando se fala em sustentabilidade e, principalmente, em desenvolvimento, não tanto quando se analisa o PIB, de per si. O resultado desta análise mais fina é que, caso tivesse existido, do ponto de vista da política económica, atenção a esta matéria, a RAM era ainda, como me parece ser a situação efectiva da Madeira, região de objectivo 1, com possibilidade de manter os níveis de apoios europeus do quadro comunitário em vigor. Na verdade, o que a Madeira ganhou em riqueza do PIB não compensa o que irá deixar de auferir para o próximo quadro, na sequência da sua saída da Região de objectivo1.
Vamos ás questões do endividamento da RAM: com dados de 2003, o endividamento da Região directo e indirecto já ronda os 50% do PIB. Estes valores, apesar de tudo, não podem ser analisados à luz dos critérios da União Europeia porque, como é do conhecimento de V. Exa., existe um conjunto de matérias e serviços como, por exemplo, a defesa e a justiça, entre outros, que estão fora da responsabilidade da RAM.
No quadro das actividades produtivas, onde se destaca o comportamento do turismo, principal sector capaz de alavancar um desenvolvimento sustentável e contribuir para a necessária diversificação do modelo de desenvolvimento regional, os resultados são catastróficos: as taxas de ocupação situam-se na ordem dos 53%, apresentando uma tendência decrescente desde 2000; a receita média por quarto não pára de diminuir e as receitas globais do sector de hotelaria em 2005 foram metade da Região de Lisboa, que, como V. Exa. sabe, tem uma oferta de camas próxima dos 50% da RAM.
No que respeita ao indicador do desemprego, em 2005, verificou-se um agravamento de 50%.
Quanto ás questões relacionadas com a educação, uma matéria fundamental para a concretização das orientações europeias da Estratégia de Lisboa, a Madeira apresenta um panorama negro, bastando para o efeito fazer uma análise comparativa aos seus resultados, no quadro dos exames nacionais, como foi largamente publicado na imprensa nacional.
Enfim, sobre a sustentabilidade do crescimento do PIB, a história recente da economia regional, confirma três contribuições fundamentais: o CINM, as obras públicas suportadas por fundos europeus e a dinâmica do turismo. A realidade, conforme dados apresentados anteriormente, é que o futuro do CINM é incerto e o seu contributo para a riqueza da região deve ser analisado de forma prudente; as obras públicas tenderão a diminuir face á limitação física da própria ilha, que não suporta muito mais obras e as próprias limitações financeiras. Aliás, sobre esta matéria, o papel das sociedades de desenvolvimento da Madeira, estruturas criadas pelo Governo Regional para financiar investimento público sem qualquer critério racional, é um dos aspectos mais preocupantes da irresponsabilidade, na condução da política económica na RAM, que V. Exa. concerteza concordará. Finalmente, o turismo, os dados não mentem e são esclarecedores, a sua actual fragilidade não garante a criação de um cluster que poderia ser uma das questões mais determinantes do crescimento da economia da Região e, sobretudo, da sua sustentabilidade.

Exmo. Senhor Professor, aceite esta reacção, apresentada de forma descomprometida, como uma tentativa de esclarecer a sua opinião. Como sabe, a ciência económica tem uma componente normativa na qual pode ser sustentada divergências de princípios, mas no que diz respeito á sua versão positiva, não pode haver duas opiniões tão distintas.



Cumprimentos

Carlos João Pereira

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