domingo, 17 de fevereiro de 2008

Que a memória sirva de alerta


LFM lembrou um comentário surpreendente de Almeida Santos antes do último acto eleitoral na Madeira.

Como julgo que nesta matéria é preciso faar sem hipocrisia, deixo algumas partes de uma carta enviada por mim, nessa altura, ao próprio Almeida Santos. Para que não haja dúvidas sobre o que penso sobre a matéria e sobre a frontalidade que estas imprtantes questões devem ter...


"...Quero, pois, apresentar-me perante V. Exa. com a folha do currículo lisa de referências, perante o seu percurso reconhecidamente enciclopédico. Faço-o, pois, na minha simples mas elevada condição de cidadão português a quem, tal como aos seus conterrâneos, é sonegado o exercício dos mais elementares direitos democráticos de qualquer cidadão europeu. Atrevo-me eu a dizer o que, certamente, é parte do imenso conhecimento do meu ilustre interlocutor - aquilo que se passa nesta terra. V. Exa. sabe-o. Digo-o que sabe. E não corro o risco de estar enganado quando o digo. E daí o meu enorme assombro perante o último episódio que envolveu V. Exª. e o protagonista do filme que há trinta anos está em cena nesta Região, que é Autónoma perante o poder central, por decisão soberana dos constituintes, mas em que a autonomia dos seus cidadãos é constantemente posta entre parêntesis, por acção dos titulares únicos da autonomia regional.

Permita-me, então, que me dirija a V. Exa. no sentido de tecer algumas considerações aos comentários expendidos por V. Exa. no programa “A Quadratura do Círculo”, onde o convidado especial abrilhantou a amena conversa entre os comentadores habituais. Antes de mais, quero sublinhar que o silêncio ensurdecedor em torno deste episódio atípico e confrangedor releva do imensurável peso específico de V. Exa. no panorama político nacional. No entanto, esse silêncio tem uma explicação assaz simples: os que incomodados, para não aumentar o prejuízo decorrente do episódio, entenderam que a descrição era a melhor maneira de não exponenciar os decibéis do ruidoso silêncio; e os eufóricos, beneficiados com o mesmo, perceberam ser mais útil deixar passar a mensagem nua e crua, para que no terreno fértil da política menor, a demagogia fizesse melhor o seu percurso.

Naqueles poucos minutos V. Exa. achou que o facto de falar em pessoal o absolvia das inevitáveis repercussões políticas das suas declarações: porque é socialista; porque o PS faz disputar eleições regionais em condições para cuja dificuldade, além de derivarem de responsabilidade própria e da forma peculiar de viver a democracia na Madeira, resultam igualmente do facto de as sucessivas direcções nacionais do PS não terem assumido as suas graves responsabilidades neste processo. Ora, V. Exa.. é, não preciso de lhe lembrar, o Presidente do PS. As suas declarações não poderiam deixar de ser politicamente aproveitadas pelos adversários dos socialistas e por aqueles a quem a situação político-social na Madeira é conveniente. Mas, deixe-me ser mais específico e concreto: que acharia V. Exa., se, em plena campanha eleitoral nacional de 2005, o Dr. Mário Soares elogiasse as qualidades políticas, se fosse o caso, do Dr. Santana Lopes?

Mas V. Exa. alega, como já fui dizendo, duas coisas: falava em nome pessoal e o homem em causa apenas tinha um problema de forma. Escusando-me a lembrar a um eminente causídico que o respeito das formas e a falta dele é todo um mundo de diferença no Direito e no Estado de Direito Democrático, não posso, todavia, deixar de sublinhar outras duas coisas: a V. Exa., pelas suas pesadas responsabilidades, é intolerável achar que é possível separar as suas convicções pessoais das partidárias em matéria de salvaguarda das liberdades das pessoas e, a outra observação, é que apesar da importância do (mau, muito mau) estilo (ou da forma) o que é relevante, naquele homem a que V. Exa. insiste em reconhecer mérito, é sem dúvida o conteúdo, a sua essência. E V. Exa. reconhece mérito por causa da obra. Nem vamos discutir o mérito dela, mesmo no âmbito daquilo a que os economistas chamam a falácia do “post hoc”: “post hoc, ergo propter hoc”, ou seja, se foi depois disto, então é por causa disto. Quer dizer que se tanto se construiu na Madeira depois de Alberto João, então, certamente, o homem merece, com efeito, o elogio do Presidente do PS, apesar da forma pouco ortodoxa. Na verdade, o que se fez, certamente ter-se-ia feito, mesmo sem o homem que lhe merece encómios. Aliás, o que se fez poder-se-ia ter feito assim e melhor. A não ser que em vez de um caso de política tivéssemos um caso de polícia, tantos foram os meios europeus e nacionais disponíveis. Mas deixando para o momento próprio o mérito e o demérito da obra, pergunto: se a forma não conta, será que basta construir pontes, estradas, escolas, aquedutos, barragens para merecer ser grande? Então é por isso que o fantasma de Salazar paira entre os “Grandes Portugueses” – mais safanão, menos safanão, mais Tarrafal, menos Caxias, mais exílio, menos Mário Soares, mais clandestinidades, menos Álvaro Cunhal, mais masmorra, menos masmorra, mais democracia, menos democracia, mais liberdade menos liberdade, mais forma menos forma, o que interessa é a fórmula da obra: perpetuar-se no poder sempre foi uma façanha neste país de brandos costumes e pouca exigência democrática.
Neste contexto, seria ofensivo à minha própria consciência se não reagisse de forma peremptória às suculentas declarações de V. Exa. relativamente ao actual Presidente do Governo Regional da Madeira (...) Como V. Exa. pode depreender das minhas palavras, sou um observador atento da realidade regional e desprovido de rótulos e compromissos partidários. Neste contexto, quero dizer a V. Exa., de forma clara, que estou do lado daqueles que consideram o “sistema” criado pelo Presidente do Governo Regional da Madeira, o homem por quem V. Exa. põe as mãos no fogo, uma fonte de injustiça, de falta de respeito pelos direitos e garantias das pessoas, de autoritarismo, de corrupção, enfim, um estado de sítio permanente de facto, mesmo que não de jure, e quase uma espécie de cleptocracia. Esta realidade, observável a olho nu, não pode merecer da minha parte qualquer apoio, compreensão e, muito menos, qualquer tipo de elogio. Neste contexto, e mesmo não tendo as responsabilidades políticas de V. Exa., o facto de ter sido candidato a presidente da principal autarquia da Região pelo Partido de que Vª. Exª. é Presidente, coíbo-me de separar o elogio ao Dr. Alberto João Jardim pelo seu desempenho político, colocando esse elogio no baú das opiniões pessoais, como se dele não houvesse consequências políticas. De resto, nem a título pessoal, o referido protagonista me merece considerações apologéticas. A Madeira, que V. Exa. conhece, vive num permanente “rombo democrático” onde a auto-censura de grande parte da sociedade assume o papel predominante, assente na técnica da pressão pelo medo junto de quase todos os que queiram exercer um direito de contraditório, fundamental num estado democrático, como estou certo que V. Exa. compreenderá..."

Sem comentários: