sexta-feira, 25 de julho de 2008

A Madeira oferecida aos bocados

Em Portugal, discute-se com alguma frequência, uma dicotomia nesta base: a política governativa com obra mas desonesta e uma certa politica honesta, com princípios, mas sem obra.
Colocando de lado tudo o que se podia dizer sobre, por um lado, a incongruência desta falsa dialéctica e do atrevimento de alguns em reduzir a análise das opções e comportamentos políticos a uma síntese que resulta de opções a preto a branco, e, por outro, o alcance efectivo da tal obra cujo valor se deveria medir não pela dimensão física mas pelo alcance estratégico, vale a pena, ainda assim, reflectir sobre dois acontecimentos dos últimos dias na Madeira, à luz deste enquadramento.
A marina do Lugar de Baixo resultou claramente, para não dizer escandalosamente, num desperdício absoluto e revelou a total inaptidão e incompetência deste governo do PSD nas opções relativamente à sua tão propalada obra. Portanto, apesar do fingimento habitual, o falhanço da dita obra podia ser exemplarmente materializado com este exemplo supremo. Perante este problema o que faz o Governo? Desespera... E, num acto que tem tanto de génio de Aladino de poderes mágicos facilmente esgotáveis como de tosco, apresenta à população uma solução que mais parece um panfleto publicitário de venda de casas de turismo residencial, com marina incluído. Os protagonistas deste conto, espécie urbana e contemporânea de Ali Babá, são, entre outros, um grupo empresarial, que, no seu esforço falsamente filantropo, resolve apoiar o governo e o PSD e, assim sendo, diz-se, investirá 100 milhões de euros em “casinhas para vender para fora”, com marina e acesso ao mar incluída.
Recapitulando, o governo investe, faz a obra, e (muita) asneira, queima perdulariamente o dinheiro de todos nós, volta a gastar mais, e, quando tudo está prontinho (num verdadeiro descalabro financeiro e de execução), entrega, sem concurso, sem consulta de mercado, sem caderno de encargos, sem restrições, sem salvaguarda do interesse público, sem informações concretas e precisas do negócio, violando o bom senso e o sentido de justiça (de igualdade de oportunidades!) – e, acima de tudo, sem submissão à lei, quanto mais não seja, a lei do mercado, a um grupo empresarial. Parece, por isso, justo perguntar : porquê? Quem vos disse, Senhores do Senhor Governo, que eu, você, aquele, o outro, permitimos que o nosso dinheiro, nosso, do Madeirenses, da Madeira fosse tratado desta forma? Quem disse que não existem no mercado outros grupos, outros indivíduos, e outras entidades capazes de servir melhor os interesses da nossa Madeira e da Autonomia sobre a qual assenta o nosso regime? Quem disse que governar em maioria é enganar as populações, é esconder os negócios públicos, é arruinar as finanças regionais é contribuir para um enriquecimentos sem justa causa, previsto e punível pelo Código Civil e Penal, enriquecimentos injustos e desproporcionais, penalizando uma maioria que ignora quase tudo, em negócios que roçam a desonestidade?
Mas, como se não bastasse, e talvez não por coincidência, eis que, ainda esta semana, numa espécie de “turbo parlamento”, onde tudo se aprova a “mata-cavalos”, sem debate nem discussão, num parlamento transformado em notário de urgência desta maioria ao serviço de interesses que não do povo, o PSD da Madeira aprovou (sozinho!) uma proposta sua de contrato de concessão para a manutenção de um conjunto de estradas, entre elas a famigerada cota 500, num processo onde as dúvidas só não existem porque a nossa história infelizmente já conhece casos semelhantes: a via litoral e a via expresso. As particularidades deste negócio não são diferente do anterior: a concessão é para entregar a empreiteiros e só a empreiteiros (?!), estes constroem com dinheiro público, na sequência de um empréstimo que eles próprios fazem à banca, cobram a margem do negócio da construção e a comissão do empréstimo à Região e ainda ganham a manutenção – isto já parece os antigos vendedores do mercado que nos leilões que faziam afirmavam: além disto, ainda leva aquilo e aquele outro e mais aquele!. Igual, só o contrapeso das balanças de pratos da praça do peixe!
Tudo junto, estamos a falar de um negócio de mais de 1000 milhões de euros. Numa assentada (3 minutos de discussão no Parlamento, à média superior de 333 milhões por minuto, quem dá mais?) o Governo do PSD hipoteca 10% do Orçamento durante 30 anos!?
Face a tudo isto o que acontece? Nada.
Mas devia acontecer? Sim. Mas vai acontecer? Não.
A sociedade civil devia intervir violentamente, designadamente a imprensa, as associações empresariais, as associações de consumidores, as ordens profissionais, os sindicatos e, não menos relevante, a imprensa devia esgotar o tema? Sim. E vai intervir? Não.
Assim se vive na Madeira, onde a obra é medíocre e a honestidade governativa há muito que está pelas ruas da amargura.
O que sobra? Desta maioria, nada; de nós mesmos, uma imensa vontade de não pactuar. E não pactuaremos, não duvidem!

artigo publicado no DN Madeira de 25 de Julho

Sem comentários: