domingo, 29 de julho de 2007

A verdade doi III


Pela sua importância, pela sua lucidez, pela coragem e, sobretudo, porque a subscrevo totalmente, deixo aqui parte da moção de Maximiano Martins. Não restam dúvidas que o burburinho em torno do pensamento de Maximiano Martins reflecte a consciência de alguns que sabem do que este deputado à Assembleia da Repúblcia fala.


"Debater ideias e projectos: o dever dos partidos

Num partido político o debate de ideias e de projectos – em particular, nos seus congressos – é essencial para a ‘saúde’ do sistema democrático. Sem esse debate os partidos políticos – que são um pilar central da democracia – tornam-se meros instrumentos do exercício do poder pelo poder, de calculismo e de carreirismo. Nesses casos o interesse individual sobrepõe-se ao interesse colectivo e à militância cívica.
Esta asserção é motivo de preocupação em todas as sociedades democráticas.

Uma deriva totalitária ou um despotismo iluminado

Esta asserção é particularmente relevante na Região Autónoma da Madeira onde o exercício de um poder absoluto de trinta anos criou uma sociedade que eu classifico de “totalitária de fachada democrática”. Porque não basta realizar eleições para que uma sociedade se possa afirmar de plenamente democrática. Tanto é assim que há países que submetem os seus processos eleitorais ao escrutínio de organizações internacionais para que estas lhes confiram o selo de “eleições livres e justas” (“free and fair” na denominação em inglês). Eu próprio já participei num processo destes de ‘certificação’ como observador internacional em representação da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, juntamente com observadores da Organização para a Segurança e a Cooperação Europeia e do Parlamento Europeu, na Arménia – um país hoje independente que fez parte da União Soviética.

Não basta, pois, manter uma fachada democrática pela realização de eleições. Há fenómenos preocupantes de ‘despotismo iluminado’ e de deriva totalitária que os textos teóricos definem como tendo as seguintes características:

enquadramento da sociedade civil pelo Estado com eliminação da autonomia desta sociedade civil – o que leva a relações de controlo, de alinhamento incondicional ou passivo, de dependência e de completo amorfismo tanto das elites como das populações


ideologia-guia visando moldar um novo sistema político e em que o ‘partido’ é o único depositário da ideologia do sistema – o que leva a um discurso pouco racional e ‘descolado’ da realidade
chefia pessoalizada e carismática – conduzindo à tese da insubstituibilidade e a intervenções a todos os níveis das relações políticas e sociais


condicionamento da comunicação social – procurando criar uma ‘verdade oficial’ e impedir o debate e o contraditório


‘captura’ da justiça – levando à sua inacção e à inimputabilidade efectiva dos agentes do regime.

São evidentes os graus de semelhança com a situação na Madeira ao fim de trinta anos de poder absoluto… mesmo que não se atinja patamares extremos como a história registou por outras paragens.


(...)
Responsabilidades e irresponsabilidades do ‘jardinismo

A propaganda, a ineficiência e o radicalismo do ‘poder jardinista’, do PSD-M e do Governo Regional têm tido uma (ir)responsabilidade grave no insucesso da defesa das posições mais importantes para a Região. A sua incompetência negocial também. O poder não quer perceber que os tempos são, hoje, de diplomacia assertiva e de capacidade negocial ‘soft’. De resto um militante ilustre do PSD (o antigo Presidente da Assembleia da República Barbosa de Melo) veio dizer à Madeira, no Dia da Região, que “radicalismo e ineficiência podem ‘matar’ a autonomia”. Que tiro certeiro!

Tornou-se uma evidência que a vida política nacional e comunitária exigem dotes de persuasão e capacidade argumentativa e justificativa muito mais elevados do que no passado – em que falar mais alto e mais forte era suficiente para ganho de causa!

As responsabilidades da Comunicação Social madeirense

Face a estes erros e incapacidades negociais por parte do ‘poder laranja’ seria de esperar uma percepção mais clara da opinião pública madeirense sobre os riscos deste isolamento negocial – este ‘orgulhosamente sós’ de cheiro salazarista – em tantas e tantas frentes em que o interesse da Madeira e dos madeirenses e porto-santenses se joga (finanças regionais, dinheiros de Bruxelas, programa da Presidência Portuguesa do Conselho Europeu, transferências para o desporto, transportes aéreos, portos e transportes marítimos, etc. etc.). Mas não. A opinião pública permanece apática face a estes desafios cruciais.

Vejo, com tristeza, a Comunicação Social madeirense sempre pronta a seguir as posições do Governo Regional sem esboçar qualquer posição crítica sobre os seus erros manifestos e sempre disposta a participar na ‘diabolização’ do poder central (nos tempos da correm… na ‘diabolização’ de Sócrates). Uma colecção de títulos dos jornais da Região e um visionamento da RTP-Madeira mostrariam inequivocamente um grave e perigoso grau de cumplicidade e de seguidismo.

A posição dos socialistas madeirenses é sempre tomada por subserviência face a Lisboa… mesmo quando os deputados do PS-M suportam as suas posições em declarações de voto. Dignidade, amor próprio, posições próprias, fidelidade à Madeira não são, em regra, reconhecidos aos socialistas.

Problemas com Lisboa – quaisquer que eles sejam e de quem quer que seja a responsabilidade efectiva – são sempre, para a nossa Comunicação Social, imputáveis aos socialistas. Sucessos para a Madeira, por acção do Governo Socialista, nunca são atribuídos a quem de direito e aparecem como ‘caindo do céu’ ou por acção local. Veja-se o caso recente da liberalização do transporte aéreo para a Região ou os apoios ao turismo na Madeira e no Porto Santo. A regra é: se há problemas a origem está no PS e em Lisboa; se há sucessos a origem é indefinida ou mesmo regional. Parece mesmo, para a opinião madeirense, que, também como exemplos, a Loja do Cidadão e o Centro de Formalidades Empresariais são uma invenção do Governo Regional da Madeira e não, como é a verdade, uma criação de governos socialistas. Que as iniciativas de urbanismo comercial e valorização do comércio tradicional de São Pedro, da Sé, de Santa Maria… não têm uma origem bem definida: governos do PS!

Entendo que é muito muito grave que a Comunicação Social madeirense não cumpra o seu papel de ‘poder’ crítico e de informação livre. A prazo seria da máxima utilidade. Os madeirenses ficariam reconhecidos porque lhes permitiria usufruir desse direito elementar que é ser informado com isenção e com pluralismo. A possibilidade de existir alternância democrática aumentaria fortemente.

Da minha parte sei o ónus de tomar esta posição frontal face à Comunicação Social da minha terra. Mas, como sempre, não me guio por princípios de hipocrisia ou de servilismo.


As responsabilidades de todos

Como decorre do atrás referido, na situação de poder absoluto prolongado, como aquele que vivemos na Região Autónoma da Madeira, são múltiplas as responsabilidades – que devem ser apontadas também ao PS-M e a toda a oposição. Os socialistas e toda a oposição democrática têm sido combatentes generosos pela causa pública. A ausência de resultados significativos não pode deixar de lhes ser, porém, imputada em parte importante. Para quem quer afirmar uma alternativa de políticas e lutar pela alternância democrática não pode deixar de diagnosticar com precisão a natureza do ‘poder laranja’ – em particular a sua teia influências e de cumplicidades, os segmentos sociais que o sustentam e dele se sustentam, a estrutura de caciques que o organizam – e combater de forma organizada e eficaz. Sem objectivos de médio e longo prazo e sem estratégia (e táctica política, também) não são possíveis resultados eleitorais relevantes na Madeira, dada a “solidez” do poder instalado. Combater por causas imediatas tem sentido político mas, por si mesmo, não conduz ao poder. É curto. É pouco.

Deste ponto de vista, não se compreende, por exemplo, que na Assembleia Legislativa da Região não se estabeleçam alianças e convergência de posições – contra o poder do PSD-M – em matérias estruturantes do Estado de Direito. É o caso da revisão constitucional onde em vez de uma posição própria das forças da oposição democrática se optou pelo unanimismo como se a oposição partilhasse com o ‘jardinismo’ uma mesma concepção de autonomia, de democracia, de liberdades. É o caso de múltiplas matérias em que a oposição alinha pelas posições do PSD-M quando está em causa a reivindicação de facilidades financeiras face ao poder central… mesmo que todos reconheçam falta de razoabilidade, oportunimismo e demagogia ‘laranja’ nas suas pretensões. Foi esse o caso da Lei das Finanças Regionais.

Para o PS-M o que está em causa é ser capaz de partilhar com outras forças da oposição dois princípios essenciais:

que a democracia, as liberdades e o estado de direito são valores últimos do seu combate e devem prevalecer sobre todos os outros valores
que autonomia e responsabilidade são as duas faces de uma mesma moeda – não fazendo sentido pretender ter capacidade de auto-governo sem a consequente assumpção de deveres e de actuação responsável.

Com este entendimento e com trabalho na formulação de posições próprias fundamentadas, seria possível isolar em muitos momentos o PSD-M e a doutrina, as políticas e a acção do seu Governo.

Os erros do modelo económico ‘ jardinista’

Para além das preocupações sobre a política na nossa Região devo dizer que tenho preocupações igualmente relevantes sobre a evolução da situação económica e social.

O PSD-M e o ‘poder jardinista’ dispuseram de recursos financeiros quase ilimitados durante estes trinta anos de poder absoluto – ou, mais em particular, desde meados dos Anos 80, com a adesão à UE. Tais recursos tiveram origem em transferências generosas do Orçamento do Estado e da UE a que se juntaram, durante muito tempo, transferências de emigrantes. Recorde-se que além das transferências financeiras regulares o Estado assumiu em diversos momentos parte significativa da dívida da Região (mais de 110 milhões de contos com um dos governos de Guterres) e/ou dívidas particulares (como no caso da saúde, ainda com Guterres).

Com tantos recursos financeiros o ‘poder jardinista’ fez uma opção: privilegiou as infra-estruturas e as acessibilidades e mudou a face visível da Madeira. Para uma ilha em que as acessibilidades sempre foram difíceis tais transformações impressionam tanto os madeirenses como os visitantes. As aparências deixam, assim, uma forte impressão. É necessário, porém, ver mais longe, ver para além de meras impressões, ver para além do desenvolvimento material e infraestrutural. De resto, para que servem as infra-estruturas e as acessibilidades se não para servir o Homem e o seu progresso? Para que servem se não existirem recursos humanos para as valorizar e bens e serviços para nelas circularem?

Este é exactamente o problema. O ‘poder laranja’ ignorou que o desenvolvimento se faz com os homens e para os homens. Que, numa sociedade aberta à globalização, sem recursos humanos qualificados nenhum desenvolvimento económico é possível nem sustentável. Por isso não deu qualquer prioridade às variáveis-chave de um desenvolvimento económico e social sério:

qualificações, formação, conhecimento
empreendedorismo
inovação, investigação e desenvolvimento aplicado
qualidade ambiental

Uma política de desenvolvimento progressista e responsável

Uma política de desenvolvimento progressista e responsável não poderia deixar de ter optado por aplicar recursos financeiros a políticas públicas que permitiriam elevar o nível destas variáveis-chave: recursos humanos, inovação, conhecimento, ambiente. Aplicaria recursos na qualidade do ambiente dos negócios simplificando a Administração Regional e os processos de licenciamento. Libertaria a sociedade civil do jugo do poder político e estimularia a participação cívica e a capacidade de empreender e inovar. Apostaria na qualificação do turismo, numa promoção externa fortalecida e nos seus efeitos de ‘clusterização’. Promoveria a diversificação da base económica com uma utilização optimizada (e totalmente transformada) do Centro Internacional de Negócios da Madeira.

Mas estas opções significariam uma menor relevância da clique de poder e de riqueza que este poder privilegiou com as suas opções de desenvolvimento.

Estas opções teriam como consequência o reforço da base competitiva da economia madeirense e, por essa via, poder desenvolver políticas sociais activas – aspecto crucial que com a degradação económica o ‘poder laranja’ tenderá a abandonar com graves repercussões sociais.

Uma situação económica e social em degradação

Na ausência destas políticas e opções a situação económica e social só se pode tender a degradar como é hoje bem visível: o desemprego cresceu exponencialmente nos últimos anos; o turismo perdeu qualidade e capacidade competitiva; o artesanato e o comércio tradicional sofrem uma grave recessão; a construção está em queda acelerada…

Tenho a maior das preocupações sobre a tendência regressiva que sei estar instalada na vida económica e social. Temo que quem tem as mais sérias responsabilidades nesta situação não as queira assumir: o PSD-M e o Governo Regional. Pode até dar-se o caso de assistir-se a uma tentativa de atribuição de responsabilidades à oposição! Temo a manipulação. A tese do ‘inimigo externo’ pode ser crescentemente utilizada e os apelos irresponsáveis à independência aparecerão cada vez mais. Em particular o PS-M pode ser visado numa demagógica e falsa campanha em que, paradoxalmente, quem governou durante trinta anos não é responsável mas antes ‘vítima’ e a quem esteve sempre na oposição são atribuídas culpas!

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