Nunca
contabilizei os tempos mas,
honestamente, nao é preciso. Aqueles que acompanham a vida parlamentar na
Assembleia da nossa Região sabem que tenho razão: ali fala-se muito da vida dos
outros e pouco, ou mesmo quase nada, da nossa.
Este estranho
paradoxo permite também uma insólita conclusão: um parlamento nosso, exigido
por nós,eleito por nós, para falar
dos outros reflecte várias coisas mas nenhuma delas se encaixa nos princípios
da defesa da autonomia que os madeirenses conquistaram. Reflecte uma irracionalidade que
corrompe os interesses dos madeirenses, desprestigia os seus protagonistas e
torna inútil a autonomia.
Pode-se até
pensar, com toda a propriedade, que esta tese se esgota no facto de ali falar
muito o PSD e pouco a oposição. Pode-se pensar mas pensa-se mal! O PSD fala
muito e quase sempre dos outros, a oposição fala pouco e, e, em alguns casos,
também dos outros.
Desta vez nem
estou centrado na questão dos discursos maldizentes ou insultuosos. Fazem parte
de outra reflexão. De outro problema. Estou só atento à pura manhosice do PSD
em transformar o parlamento num órgão envergonhado. Numa instituição de valor
nulo. Num dos maiores contributos para a manutenção do regime anti-democrático
de Jardim. Este parlamento que suporta a autonomia da Madeira é o espelho de um
simulacro cheio de ruídos e vazio de utilidade efectiva para o desenvolvimento
da nossa vida em comum.
O PSD não quer
estar só nesta farsa ignóbil que branqueia o regime. Manda e efectivamente,
demonstra que manda, mas insinua que não decide sozinho neste “parlamento da
vergonha”. Admitir que sim, que manda sozinho, é destapar a careca do regime
podre que criou. É romper com o artificial e só aparente estado de graça de uma democracia decadente,
de partido único.
Por isso,
disfarça. Mas não esconde o desconforto quando retira tempos de intervenção à
oposição; quando retira valor político à discussão de propostas de resolução,
remetendo-as para um esconderijo onde possam deixar de existir mesmo que sejam
abordadas em órgãos efectivos da ALRAM; quando impede os debates solicitados
com membros do governo (mais de 20 recusados); quando não solicita a presença
sistemática do Presidente do Governo no (suposto) órgão principal da autonomia
da Madeira para explicar a governação; quando aplica, inexplicavelmente, a guilhotina a todas as actividades de fiscalização
do governo (dezenas de comissões de inquérito foram chumbadas só nestes últimos
dois anos).
A autonomia da
Madeira precisa de um parlamento regional
para debater problemas regionais , para discutir assuntos regionais e para fiscalizar o governo regional.
Devia ser assim mas não é. O debate e a intervenção política efectuada pela
maioria PSD é simples, curto e grosso: eles são “maus, gordos e mentirosos e
ladrões” por isso os madeirenses estão “pobres, tristes, falidos e esquecidos”.
Mas, por outro lado, o PSD é “querido, amigo e fofinho” (eu até diria “souflé,
pelo vazio que revela), por isso, os mesmos madeirenses, estão “ricos, felizes
e contentes”. Este estilo esquizfrénico
nem sequer chega a ser contraditório: é simplesmente ruidoso, provocador
e insuportável.
Assim, neste
vicio parlamentar decadente, o PSD discute a corrupção do continente, não a de
cá; sublinha a ausência de medidas sociais de lá, nunca as de cá; insinua o
desacerto orçamental de Lisboa, jamais o de cá; sublinha o crescimento da
pobreza do continente, nunca o de cá; Lembra sistematicamente a divida do pais,
jamais a de cá; Não se cansa de referir os atropelos à democracia de lá, nunca
os de cá! Faz lembrar aquela mulher que se foi confessar e falou dos pecados de
marido, que era bêbado, que era violento, que era… e quando o padre a mandou
rezar pelo marido, ela respondeu que rezasse ele. É o caso do PSD, vendo os
pecados dos outros, nunca se há-de redimir dos seus. E há quem colabore nisto,
que fale dos pecado do “marido” de Lisboa para não falar da má vida que a
“mulher” autónoma leva por cá.
Se a culpa é dos outros, a emenda nunca será nossa.
Neste hino de
insulto à credibilidade do debate parlamentar não
sobra nada. Fica apena o amargo da vitória de uma Assembleia fingida e
sustentada por homens que um dia decidiram comprometer a vontade de defender a
sociedade por um interesse obtuso que capturou quase todos por muito pouco!
publicada no DN Madeira
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