quarta-feira, 18 de novembro de 2009

A vida dos outros


Nunca contabilizei os tempos  mas, honestamente, nao é preciso. Aqueles que acompanham a vida parlamentar na Assembleia da nossa Região sabem que tenho razão: ali fala-se muito da vida dos outros e pouco, ou mesmo quase nada, da nossa.
Este estranho paradoxo permite também uma insólita conclusão: um parlamento nosso, exigido por nós,eleito por nós,  para falar dos outros reflecte várias coisas mas nenhuma delas se encaixa nos princípios da defesa da autonomia que os madeirenses conquistaram.  Reflecte uma irracionalidade que corrompe os interesses dos madeirenses, desprestigia os seus protagonistas e torna inútil a autonomia.
Pode-se até pensar, com toda a propriedade, que esta tese se esgota no facto de ali falar muito o PSD e pouco a oposição. Pode-se pensar mas pensa-se mal! O PSD fala muito e quase sempre dos outros, a oposição fala pouco e, e, em alguns casos, também dos outros. 
Desta vez nem estou centrado na questão dos discursos maldizentes ou insultuosos. Fazem parte de outra reflexão. De outro problema. Estou só atento à pura manhosice do PSD em transformar o parlamento num órgão envergonhado. Numa instituição de valor nulo. Num dos maiores contributos para a manutenção do regime anti-democrático de Jardim. Este parlamento que suporta a autonomia da Madeira é o espelho de um simulacro cheio de ruídos e vazio de utilidade efectiva para o desenvolvimento da nossa vida em comum.
O PSD não quer estar só nesta farsa ignóbil que branqueia o regime. Manda e efectivamente, demonstra que manda, mas insinua que não decide sozinho neste “parlamento da vergonha”. Admitir que sim, que manda sozinho, é destapar a careca do regime podre que criou. É romper com o artificial  e só aparente estado de graça de uma democracia decadente, de partido único.
Por isso, disfarça. Mas não esconde o desconforto quando retira tempos de intervenção à oposição; quando retira valor político à discussão de propostas de resolução, remetendo-as para um esconderijo onde possam deixar de existir mesmo que sejam abordadas em órgãos efectivos da ALRAM; quando impede os debates solicitados com membros do governo (mais de 20 recusados); quando não solicita a presença sistemática do Presidente do Governo no (suposto) órgão principal da autonomia da Madeira para explicar a governação; quando aplica, inexplicavelmente,   a guilhotina  a todas as actividades de fiscalização do governo (dezenas de comissões de inquérito foram chumbadas só nestes últimos dois anos).
A autonomia da Madeira precisa de um parlamento regional  para debater problemas regionais , para discutir assuntos regionais  e para fiscalizar o governo regional. Devia ser assim mas não é. O debate e a intervenção política efectuada pela maioria PSD é simples, curto e grosso: eles são “maus, gordos e mentirosos e ladrões” por isso os madeirenses estão “pobres, tristes, falidos e esquecidos”. Mas, por outro lado, o PSD é “querido, amigo e fofinho” (eu até diria “souflé, pelo vazio que revela), por isso, os mesmos madeirenses, estão “ricos, felizes e contentes”. Este estilo esquizfrénico  nem sequer chega a ser contraditório: é simplesmente ruidoso, provocador e insuportável.
Assim, neste vicio parlamentar decadente, o PSD discute a corrupção do continente, não a de cá; sublinha a ausência de medidas sociais de lá, nunca as de cá; insinua o desacerto orçamental de Lisboa, jamais o de cá; sublinha o crescimento da pobreza do continente, nunca o de cá; Lembra sistematicamente a divida do pais, jamais a de cá; Não se cansa de referir os atropelos à democracia de lá, nunca os de cá! Faz lembrar aquela mulher que se foi confessar e falou dos pecados de marido, que era bêbado, que era violento, que era… e quando o padre a mandou rezar pelo marido, ela respondeu que rezasse ele. É o caso do PSD, vendo os pecados dos outros, nunca se há-de redimir dos seus. E há quem colabore nisto, que fale dos pecado do “marido” de Lisboa para não falar da má vida que a “mulher” autónoma leva por cá.   Se a culpa é dos outros, a emenda nunca será nossa.
Neste hino de insulto  à  credibilidade do debate parlamentar não sobra nada. Fica apena o amargo da vitória de uma Assembleia fingida e sustentada por homens que um dia decidiram comprometer a vontade de defender a sociedade por um interesse obtuso que capturou quase todos por muito pouco! 

publicada no DN Madeira

 


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