Terminou hoje o debate parlamentar sobre a discussão do programa do governo regional para o período 2007-2011. A maior parte das questões ficaram por responder. Os senhores membros do governo demonstraram, com honrosas excepções, um "caciquismo" doentio e uma forma carreirista de estar na política. Muitos deles tentaram ser mais jardinistas que jardim. O resultado foi desastroso. Enfim, quanto ao Senhor Presidente do Governo parece-me que o seu comportamento em jeito de menino mal comportado que se diverte a provocar tudo e todos, não fica bem ou sequer parece adequado a um chefe de Governo...
Para que não existam dúvidas, para quem tiver paciência, deixo aqui parte de uma das intervenções que fiz durante o referido debate, com nota para algumas das propostas, sobretudo dirigido a quem diz que as intervenções são, exclusivamente, de critica.
"...Este programa de governo, mais uma vez, resulta de um conjunto de boas intenções, sem articulação ou coerência entre elas, evita o conteúdo estratégico e limita-se, num descarado processo de alheamento da realidade, a uma descrição vaga e inócua de uma lista de assuntos que tanto serve para a Região Autónoma da Madeira como para o Burkina Fasso.
Este programa traduz, no quadro da economia, a irresponsabilidade de um governo sem visão estratégica. O Senhor Presidente do Governo Regional, nas suas deambulações e périplos, remete, normalmente, os desígnios económicos do futuro da Região para um atabalhoado conceito de apoio ao sector privado, numa lógica de que o investimento privado surge por decreto.
Além disso, e para aumentar o absurdo, o Senhor Presidente do Governo da Regional, numa tentativa desesperada de dar credibilidade a suposições avulso, lança uma ideia tremendamente atípica de comparar o futuro da Madeira com Singapura, um sonho conforme confessou ontem nesta mesma casa, como se estas importantes matérias pudessem ser discutidas na perspectiva sonhadora do Senhor Presidente. Para este Governo Regional, uma região ultraperiférica de 250 000 pessoas, com os maiores níveis de desigualdade de rendimento no quadro nacional, a última região entre as sete do país, quando se analisa o índice sintético de conforto, e a quinta em poder de compra, deve orientar a sua visão estratégica e o seu mais ambicioso designo económico, imitando a cidade estado de Singapura.
Trata-se de mais uma ideia peregrina, assumindo, o Senhor Presidente do Governo, a leviandade de comparar esta pequena região com um país de 4,5 milhões de habitantes que nos anos 70 transformou-se numa economia dominada pelas indústrias de capital e de mão de obra intensiva. Que nos anos 80 desenvolveu as actividades de I&D, concepção de produtos e serviços de software. Que nos anos 90 investiu na arquitectura de empresas, no desenhar das suas actividades através de parcerias de planeamento estratégico. E que, actualmente, focaliza-se na inovação e tecnologia, incentiva a emergência de ninhos de inovação, reforça as características de ambiente competitivo para a economia global e expande-se pelas diferentes partes do mundo.
Só no ano passado, o sector privado de Singapura investiu cerca de dois biliões de dólares em I&D. Trabalham actualmente em Singapura 21.000 engenheiros e cientistas (4.575 com doutoramento), 62% dos quais no sector privado, estudam em Singapura 70.000 estudantes estrangeiros.
Como se pode constatar, qualquer semelhança é pura especulação mental e má fé intelectual.
(...)
Mas, não é tudo, também não conhecemos os objectivos concretos e nada se quantifica, conforme também se tem verificado pelas soltas e ocas intenções dos respectivos membros do Governo: quantas novas empresas serão criadas, como se fará a diversificação da economia, qual as perspectivas de crescimento do emprego, qual a fatia de I&D em percentagem do PIB, qual o crescimento esperado da procura turística, como se vai inverter a tendência de diminuição da taxa de ocupação, qual a perspectiva de crescimento, ou não, do investimento estrangeiro e em que áreas. Enfim, com este programa pouco, ou mesmo nada, se sabe.
(propostas)
Esperávamos propostas objectivas, que se revelam urgentes, tais como, só para dar alguns exemplos: provocar o arrefecimento da oferta hoteleira, promover a requalificação da que existe; reforçar a promoção do destino, de forma a aumentar a procura, através de esforços significativos ao nível da estratégia de promoção e dos níveis de financiamento associados. Na verdade, e nesta matéria em particular verificamos que investimos 4 vezes menos que os nossos principais concorrentes.
(ainda propostas)
Além disso, devia-se adequar a política de urbanismo e ordenamento do território aos interesses de um produto de turismo de qualidade. Nesta matéria, não pode existir cedências porque sem produto de qualidade, não nos vale nem a promoção, nem os transportes, nem as supostas fáceis acessibilidades. Infelizmente, o que verificamos nos últimos anos foram verdadeiros atentados á qualidade do nosso produto, com investimentos nefastos para a paisagem e o ambiente.
(...)
Estas opções constituem um forte entrave para inverter o crescimento significativo do desemprego que no último trimestre apresentam números perto dos 9 000. No fim do dia de hoje existirão mais 9 novos desempregados na Região. Um traço claro do falhanço da politica económica.
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(mais propostas)
Uma nota para o sector privado. É ele que é capaz de criar riqueza. É com ele que deve ser equacionada a diversificação da economia. Os empresários só irão reagir positivamente desde que tenham o ambiente adequado. Nesta questão, o governo só tem dado tiros no pé. Mais grave, o futuro não é animador porque este programa não contém mensagens claras e inequívocas de que a atenção ao ambiente económico será uma matéria para levar a sério.
Para que assim fosse devia apostar na transparência do mercado e no seu funcionamento, de maneira a repor a competitividade em alguns sectores estruturantes para a economia, como é, por exemplo, o caso dos transportes marítimos. Para que assim fosse, o governo devia fomentar a vigilância à concorrência dos sectores relevantes da economia regional: transportes, comunicações e bens de primeira necessidade.
Para que assim fosse, o governo devia regular a economia e não se substituir aos empresários.
Sem esta nova forma de encarar o ambiente económico, dificilmente teremos um sector privado local dinâmico e, mais complicado ainda, seremos capazes de atrair investimento externo, fora do quadro simplista de planeamento fiscal, conduzido pelo CINM.
(...)
(propostas sobre principais variáveis de crescimento)
A moderna teoria do crescimento económico sublinha que o desenvolvimento dos dias de hoje depende de algumas variáveis que, apesar de tudo, estavam dispersas ao longo do referido programa e que, sobre elas, gostaria de fazer alguns comentários. As variáveis mais relevantes são: as infra-estruturas de transportes e comunicações, o contexto macroeconómico, o Investimento Directo Estrangeiro, a Investigação e Desenvolvimento, a Qualidade da Administração Pública e a Mudança Estrutural.
Começando pelo fim, a mudança estrutural, é sabido que o crescimento não pode ocorrer sem a emergência de novos sectores e o desaparecimento de sectores antigos. Há muitas economias que estagnam e até regridem devido á colocação de entraves a este processo por parte do estado. A Região não pode lutar contra a mudança estrutural, deveria antes abraçá-la, devíamos estar preparados para atrair outras oportunidades, acabar com o padrão de crescimento assente na insustentabilidade das obras públicas. Infelizmente, da leitura do programa, essa necessidade não é perceptível.
Quanto á qualidade da administração pública, parece evidente que temos um longo caminho a percorrer. O crescimento desproporcional da administração pública regional tem consequências indiscutíveis sobre a sua qualidade e produtividade da nossa economia – são mais de 20% da população activa, um número muito distante da realidade nacional e mais ainda da realidade europeia. São fracos os níveis de eficiência e por isso é indispensável a Reforma séria e consistente da Administração.
Nada disso está expresso neste programa que agora se analisa.
A Investigação e Desenvolvimento, como suporte da inovação, outra variável fundamental na senda de um novo paradigma, deve ocupar um lugar central, reforçando o seu investimento que hoje ronda os míseros 0,7% do PIB e ainda por cima é sobretudo de carácter público. O Programa não define objectivos de crescimento e não releva o papel e a orientação da I&D do sector privado.
O Investimento Directo Estrangeiro - IDE, é hoje uma das marcas mais relevantes das regiões desenvolvidas. Existem muitas razões que justificam a sua importância para o processo de crescimento. Uma das mais relevantes é o facto do IDE constituir um veículo importante de difusão de novas tecnologias, assim como ao saber-fazer e à formação da força de trabalho exigida para a sua operação. Com mais e melhor IDE é possível aumentar a produtividade e o crescimento. O programa de governo não sugere uma abordagem concreta, integrada e sistemática para esta matéria. Verificamos incongruências graves em que duas estruturas se atropelam para o mesmo objectivo, ainda por cima com tutelas diferentes. Parece evidente esperar-se uma total ineficácia neste processo.
No que respeita ao contexto macroeconómico, é evidente que existe uma relação efectiva entre a estabilidade macroeconómica e o crescimento. Os países ou regiões com elevada dívida pública tendem a crescer a taxas mais reduzidas. Os níveis elevados de divida, superiores a 2 mil milhões de euros, significa que a região não conseguiu financiar-se através das suas receitas próprias, como aliás seria de esperar. Este programa não sublinha, como devia, a gravidade da situação da dívida da Madeira, ignorando o seu efeito negativo na economia regional, como se o desperdício e a irresponsabilidade financeira sejam neutros para o desenvolvimento.
Se as infra-estruturas de comunicação são uma condição prévia ao crescimento, na Madeira, os modelos de exploração das principais infra-estruturas de acesso ao exterior mantêm níveis de insuficiência inacreditáveis e, apesar da permanentes solicitações do sector privado na alteração do seu modus operandi, este governo mantém situações insustentáveis. Num primeiro plano, o governo mantém o modelo de exploração portuária que reflecte preços ao consumidor dos mais caros do país e da Europa. O monopólio mantido com o beneplácito do Governo Regional traduz um sobre-custo significativo e uma severa penalização na competitividade das nossas empresas.
Como se não bastasse, a falta de vontade de alteração deste status quo, apesar das sucessivas promessas do Senhor Secretário Santos Costa, desde 2004, a mudança para o Porto do Caniçal veio a penalizar, mais uma vez, a economia regional, provocando um acréscimo de custos de transporte na ordem dos 15%.
Noutro plano, as taxas aeroportuárias que penalizam significativamente cidadãos da Madeira, mas também o turismo, mantêm-se a níveis bastante elevados: os valores das taxas aeroportuárias praticadas no Aeroporto da Madeira estão posicionadas acima das praticadas em destinos próximos (cerca de duas vezes o valor nos aeroportos de Portugal Continental e três vezes o valor da maioria dos aeroportos espanhóis) e o Governo Regional mantém uma passividade incompreensível na procura de soluções urgentes.
(...)
Em democracia, o descalabro chega quando alguns políticos levam à ruína as finanças públicas, na ânsia de seduzir o povo, deixando para quem vier a seguir a tarefa sobre-humana de pagar as dívidas por eles criadas. Parece evidente, com a análise deste plano, que esta democracia pode tornar-se no meio de transporte mais rápido para a anarquia...