Em Maio de 2010 o Governo da República encerrou as negociações com a Comissão Europeia sobre o alargamento dos benefícios fiscais da Zona Franca da Madeira. Fê-lo (1) porque a fundamentação deficiente do processo e as reservas da Comissão não deixavam entrever um resultado positivo e (2) porque é irrealista solicitar o aprofundamento dos benefícios fiscais ao mesmo tempo que se solicita menos criação de postos de trabalho.
A pretensão da ZFM era a de dispensar as empresas nela instaladas da criação de postos de trabalho, alargando os plafonds previstos nos artigos 35º e 36º do Estatuto dos Benefícios Fiscais. Estes plafonds são já actualmente demasiado generosos, bastando a uma empresa criar 2 postos de trabalho, muitas vezes fictícios, para beneficiar de taxa reduzida de 4% até aos 2 milhões de euros de lucro tributável.
O alargamento destes plafonds é totalmente contraditório com uma política de fomento da economia real da Região Autónoma e incentiva a instalação na ZFM de empresas "caixa-de-correio" que são veículos para a fraude e planeamento fiscal.
O processo de negociações com a Comissão foi por isso definitivamente encerrado em 2010, não tendo havido qualquer desenvolvimento na matéria desde então.
As dificuldades que a ZFM tem vindo a sentir nos últimos anos resultam essencialmente de dois factores. Primeiro, de um novo contexto internacional, que agora é mais contrário aos paraísos fiscais e ao planeamento agressivo, impondo novas exigências de transparência aos territórios offshore. Depois, de uma gestão inábil da ZFM, que apostou numa angariação de empresas sem critério e numa política de confidencialidade absoluta que, alargando as receitas da concessionária no curto prazo, tornaram difícil distinguir a ZFM dos offshores puros e duros, prejudicando a defesa da ZFM no plano internacional e junto da Comissão Europeia.
Os dados divulgados publicamente pela DGCI revelam que das 2971 empresas instaladas na ZFM, 2435 não criaram qualquer posto de trabalho.
O contributo da ZFM para o PIB regional é largamente fictício, resultando de uma sobrefacturação feita pelas empresas instaladas na ZFM por razões de planeamento fiscal, como o atestam notícias recentes sobre grandes "exportadoras-fantasma".
O futuro da ZFM não pode assim passar pela manutenção da actual política de confidencialidade e pela dispensa da criação de postos de trabalho reais. Em vez disso, importa trabalhar duas áreas fundamentais:
Primeiro, é urgente começar a estudar uma fiscalidade para o todo da Região Autónoma que melhor a prepare para enfrentar um contexto internacional em que os paraísos fiscais têm cada vez menos espaço. É essencial voltar a fiscalidade regional, e a própria gestão da ZFM, para a criação de postos de trabalho e captação de investimento na economia real.
O Governo da República convidou o Governo Regional a trabalhar neste sentido, mas não obteve até agora qualquer resposta. Era urgente saber se o Governo Regional está disponível para reequacionar o modelo de governação da praça regional que incentive o investimento na economia real.
Segundo, é urgente alterar o modelo de gestão e controlo da ZFM, impondo uma política de transparência e fiscalização rigorosa, a olhar para o longo prazo, que permitam "separar o trigo do joio", incentivando a instalação de empresas reais e afastando a instalação de empresas que sejam veículos para a fraude e evasão fiscal. As empresas licenciadas na ZFM devem ser objecto de fiscalização rigorosa pela Administração Fiscal regional e a informação estatística relativa aos benefícios fiscais da ZFM deve ser tornada pública com total transparência. A promoção e defesa pública e internacional da ZFM deve passar a assentar nesta ideia de transparência e rigor que são a única forma de a distinguir de outros territórios offshore.
Neste contexto e tendo em conta as dificuldades do CINM e a desastrada política do Governo e da concessionária em termos de gestão e estratégica da praça madeirense torna-se fundamental que o Governo Regional responda de forma clara a um conjunto de questões que ainda não tiveram um cabal e consistente esclarecimento.
As perguntas concretas que o Grupo Parlamentar do PS Madeira quer ver respondida são as seguintes:
- É ou não verdade que o processo de negociação encerrado em 2010 assentou em informação elaborada pela sociedade concessionária da ZFM, sem qualquer revisão crítica do Governo Regional?
- É ou não verdade que essa atitude de demissão e falta de input crítico foi uma das principais causas para a fragilização da argumentação portuguesa e para as reservas com que a Comissão encarou todo o processo?
- É ou não verdade que a pretensão de alargar os benefícios fiscais da ZFM nos termos propostos pelo Governo Regional, dispensando as empresas da criação de postos de trabalho reais, incentiva a instalação de empresas "caixa-de-correio" e de "exportadoras-fantasma", pondo em causa a sobrevivência da ZFM no longo prazo?
- Tem ou não tem a sociedade concessionária entregue à administração fiscal regional a lista das empresas instaladas na ZFM como manda o artigo 33º, nº17, do EBF? Em caso afirmativo, porque é essa lista mantida em segredo pelo Governo Regional?
- Qual é o valor dos benefícios fiscais aproveitados por cada uma das empresas instaladas na ZFM? Porque não é divulgado publicamente pelo Governo Regional?
- Qual é o valor da despesa fiscal incorrida com a isenção de IRC à sociedade concessionária da ZFM, válida até 2017 nos termos do art.33, nº12, do EBF? Porque é que não é divulgado publicamente o seu valor pelo Governo Regional? Ou seja, qual o valor de isenção de impostos oferecido à SDM até 2017?
- Quantas acções de inspecção foram feitas às empresas licenciadas na ZFM em 2010 pela Administração Fiscal Regional?
- Quantas acções de inspecção foram feitas em 2010 às empresas que não empregam nenhum trabalhador? Quais os resultados?
- Como se explica que não tenham sido tomadas providências para evitar a instalação na ZFM de "exportadoras-fantasma" como as que foram noticiadas pela imprensa?
- Qual é a parcela do PIB regional que resulta artificialmente da sobrefacturação destas "exportadoras-fantasma"? Que receita geram estas empresas para a sociedade concessionária da ZFM com a cobrança de taxas de licenciamento e que custo tem este empolamento do PIB na perda da financiamento comunitário à Região Autónoma?
- Qual é efectivamento o ganho de receitas fiscais com as empresas da ZFM? Como é possível avançar com perdas na ordem dos 80 ME quando em 2009 em IVA e IRC a Madeira obteve valores próximo de (apenas) 27 ME? Como se explica esta diferença?
- É ou não é verdade que a falta de transparência com que é gerida a ZFM levou as autoridades brasileiras a pôr a Ilha da Madeira na sua lista negra de paraísos fiscais?
- Que medidas de reforço de transparência e controlo foram tomadas para evitar situações semelhantes? É ou não é verdade que outros países, nomeadamente europeus, estão a ponderar incluir a ZFM nas suas listas negras como o fez o Brasil?
- É ou não verdade que vários países têm vindo a recusar a negociação de acordos de dupla tributação com Portugal que incluam a ZFM dada a sua falta de transparência?
- A sociedade concessionária da ZFM interpôs recentemente uma providência cautelar contra o Governo da República com o propósito de impedir a divulgação pública de informação estatística agregada sobre os benefícios fiscais da ZFM. Está ou não consciente o Governo Regional da grave dano que este processo publicamente traz à reputação da ZFM e à imagem de transparência que ela deve apresentar?
- O Governo Regional aprovou em 15 de Novembro de 2010 resolução mandatando o Secretário Regional das Finanças para alargar os benefícios fiscais da ZFM através de despacho além de 2011. Está ou não consciente o Governo Regional que esse alargamento carece de base na lei nacional e no direito comunitário? Está ou não consciente o Governo Regional que a publicação desta resolução criou um clima de incerteza total entre os operadores económicos da ZFM e que vai gerar mais um foco de conflito desnecessário entre a Região Autónoma e a Comissão Europeia?
- Está ou não disponível o Governo Regional para estudar e discutir medidas de reforma da fiscalidade regional que a tornem menos dependentes da ZFM e que estimulem o investimento na economia real da Região Autónoma?
- Quanto pensa o Governo Regional apresentar ao Governo da República e à UE as suas propostas conforme verificado anteriormente?
- Está ou não disponível o Governo Regional para renegociar os termos da concessão da ZFM, obrigando o concessionário a uma política de rigor absoluto na selecção das empresas a instalar na ZFM e de transparência pública na sua gestão assim como no esforço de criação de emprego?
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