Sem tornar básico o que é complexo ou dissertar de forma grosseira o que deve ser rigoroso, atrevo-me a simplificar a história da “crise da divida soberana” da seguinte forma: a banca alimentou uma tresloucada especulação imobiliária que gerou uma crise financeira à escala mundial com origem no subprime. Os governos para ultrapassarem esta situação implementaram medidas expansionistas, originando crescimento dos défices e que se podem sintetizar numa espécie de nacionalização dos custos com esforço dos contribuintes. Esta abordagem afectou os países de forma distinta, atingindo fortemente as contas públicas dos mais frágeis e menos preparados. Depois, os mercados e os agentes especulativos fizeram o resto, originando a crise da divida soberana que afecta cada vez mais o quotidiano dos portugueses. A tese mais ouvida é que só a credibilidade das políticas e das opções governativas pode permitir a serenidade dos mercados, que é como quem diz, a redução da taxa de juro da divida dos países, ou seja, a diminuição do risco país!
Por sua vez a credibilidade parece depender do nível de crueldade das propostas e opções políticas: quanto mais austero e bárbaro mais credibilidade oferece e, consequentemente, menos taxa de juro estará associado ao respectivo financiamento.
Apesar desta arrumadinha explicação para a aplicação da austeridade sistemática, há algumas coisas que não batem certo. E algumas dessas coisas são mesmo factuais: as extraordinárias medidas de austeridade aplicadas na Irlanda e na Grécia não impediram a entrada do FMI; por sua vez a entrada do FMI não garantiu a redução da pressão sobre as dívidas mantendo juros demasiado elevados, acima dos 11% para a divida Grega e mais de 8% para a divida da Irlanda; em Portugal, por sua vez, os diversos pacotes de austeridade não acalmaram os mercados, mantendo juros demasiado elevados para financiar as nossas necessidades. Ontem, com o anúncio do mais recente plano de austeridade, os juros da divida pública a 5 anos fixou-se nos 5%. Não se verificou, como era esperado, uma redução dos juros da divida. Pelo contrário, observou-se um aumento, consolidando uma tendência de muitos meses.
Se isto não é suficiente acrescento um outro dado para reflexão: o défice da dívida Americana ascende a mais de 10% e os juros são ligeiramente superiores a 3%. Em vez de austeridade os EUA aplicam estímulos à economia.
Sem querer dissertar num registo intelectualmente incompetente de comparar o incomparável, ou concluir algo incorrendo na “falácia do post hoc” (baseada no erro de que porque uma coisa sucede após outra, a primeira foi causa da segunda), parece mais ou menos óbvio que a resposta dos mercados à austeridade tem sido muito pouco convincente e longe da esperada.
Assim, concluo duas coisas:1)independentemente da crise da divida soberana, Portugal deve ser austero com o desperdício, com o despesismo e com a megalomania imprópria nos investimentos públicos; mas, em contrapartida, deve acautelar as necessidades da sociedade, evitando mais austeridade social e privilegiando políticas expansionistas na economia. Parece evidente que a supremacia das finanças sobre a economia dá maus resultados.2) A Europa precisa caminhar para o aprofundamento da integração política, permitindo benefícios consistentes na integração económica em curso, minimizando o efeito de crises desta natureza.
publicado no DN Madeira
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